dúvida do leitor
O leitor George Washington Silva Plácido enviaa seguinte mensagem ao Gramatigalhas:
"Por que alguns verbos não admitem o uso do pronome oblíquo LHE, ainda que indiretos. Ex.: Não assistir a ele, no lugar de assisti-lo ou assisti-lhe. Dependo dele (óculos) para dirigir, no lugar de dependo-lhe para dirigir. Quais as razões para essa regra especial."
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O - Lhe - Dele?
1) Um leitor indaga por que alguns verbos não admitem o uso do pronome oblíquo lhe, ainda que transitivos indiretos.
2) Ora, quanto aos pronomes pessoais oblíquos átonos, uma primeira regra a ser fixada é que o, a, os e as funcionam como objetos diretos, enquanto os pronomes lhes e lhes servem para funcionar como objetos indiretos. Exs.: I) "O juiz sentenciou o caso"; II) "O juiz sentenciou-o"; III) "O documento pertence aos autos"; IV) "O documento pertence-lhe".
3) Nem todos os verbos transitivos indiretos, contudo, permitem que seus objetos indiretos sejam substituídos por lhe.
4) Assim, o verbo assistir, no significado de presenciar, ver, é transitivo indireto, pede a preposição a e não admite lhe como complemento. Exs.: a) "O estagiário assiste a vários debates e audiências"; b) "O estagiário assiste-lhes" (errado); c) "O estagiário assiste a eles" (correto).
No sentido de caber, pertencer, admite lhe como complemento. Exs.: a) "Votar é um direito que assiste ao povo"; b) "Votar é um direito que lhe assiste" (correto).
5) Para Laudelino Freire, "na língua portuguesa existem verbos cujos complementos indiretos são representados pela forma a ele em lugar de lhe. Isto ocorre, entre outros, com assistir (estar presente), aspirar (desejar), recorrer (pedir auxílio), que, recusando a forma lhe, têm os seus objetos indiretos expressos pela forma a ele".1 Exs.: a) "O estagiário aspirava ao cargo"; b) "O estagiário aspirava-lhe" (errado); c) "O estagiário aspirava a ele" (correto); d) "Naquele hora, recorreu a Deus"; e) "Naquela hora, recorreu-lhe" (errado); f) "Naquela hora, recorreu a ele" (correto).
6) Além da discriminação do ilustre gramático, outros verbos transitivos diretos repelem os pronomes lhe e lhes, de modo que são construídos com as formas preposicionadas: aludir, depender, referir-se. Exs.: a) "Aludi ao autor"; b) "Aludi-lhe" (errado); c) "Aludi a ele"; d) "Dependo da lei"; e) "Dependo-lhe" (errado); f) "Dependo dela" (correto); g) "Referi-me a Deus"; h) "Referi-me-lhe" (errado); i) "Referi-me a ele" (correto).
7) Os gramáticos não trazem as razões históricas para esse modo peculiar de construção de alguns verbos. Nem precisariam fazê-lo, assim como não precisam justificar o motivo de um determinado verbo ser hoje transitivo direto e outro, transitivo indireto. Às vezes, os verbos são sinônimos, mas apresentam diferentes transitividades. Em verdade, a função primordial da Gramática não é fixar regras impositivas de cima para baixo, mas sistematizar os fatos e as condutas que encontra na língua como manifestação. E as peculiaridades que tomam certas construções numa ou noutra direção nem sempre se submetem a regras.
dúvida do leitor
O leitor Darvin M. Fabrício envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:
"Prezados migalheiros, dirijo-me ao dr. José Maria da Costa, agigantado cultor do nosso idioma, para fazer uma consulta sobre sintaxe. Machado de Assis escreveu: 'Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado’. (Dom Casmurro, cap. I). Consabido, o verbo 'ver' é transitivo direto, e, por conseguinte, o oblíquo deve ser 'o'. Comete erro quem diz ou escreve 'Eu lhe vi'. Todos sabem que, por regra, somente os pronomes pessoais retos funcionam como sujeito. Pergunto: Há diferenças entre as frases 'Vi-o fazer um gesto' e 'Vi-lhe fazer um gesto?' Ambas são corretas? As duas frases oferecem diferença de sentido? Obrigado. Cordialmente,"
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Vi-o fechar o cofre ou Vi-lhe fechar o cofre?
1) Um leitor indaga qual a forma correta: I) "Vi-o fazer um gesto"; II) "Vi-lhe fazer um gesto". Acrescenta-se outra indagação: "Vi ele fazer um gesto"?
2) Voltando ao primeiro exemplo trazido pelo leitor – "Vi-o fazer um gesto" –percebe-se que o exemplo pode ser dito de outro modo: "Vi que ele fez um gesto". Nessa nova formulação, percebem-se os seguintes aspectos: I) Uma primeira oração é "Vi"; II) Uma segunda oração é "que ele fez um gesto".
3) Em termos sintáticos, podem-se extrair as seguintes conclusões para o novo exemplo: I) "Vi" é a oração principal; II) "Que ele fez um gesto" é uma oração subordinada que faz a função sintática de objeto direto de vi, ou seja, da oração principal; III) Exatamente por isso, ela é uma oração subordinada substantiva objetiva direta; IV) Como se verifica, o objeto direto de vi não é o, mas toda a segunda oração; V) Então se conclui que "o" é o sujeito de fez.
4) Ora, ante um tal quadro, vê-se que está sendo usado um pronome oblíquo como sujeito do verbo no infinitivo, e não um pronome do caso reto, o qual é até mesmo errado na hipótese: I) "Vi-o fazer um gesto" (correto); II) "Vi ele fazer um gesto" (errado).
5) A excepcionalidade de um pronome oblíquo ser sujeito constitui estrutura vinda do latim, idioma esse no qual o sujeito de um verbo no infinitivo vai para o acusativo (que é o caso oblíquo), e não para o nominativo (que é o caso reto): a) "Credo Petrum esse bonum" (correto); b) "Credo Petrus esse bonus" (errado).
6) No primeiro exemplo da consulta – "Vi-o fazer um gesto" – , podem-se fixar os seguintes aspectos: I) "Vi" é a oração principal; II) "-o fazer um gesto" é oração subordinada que faz a função sintática de objeto direto de vi, ou seja, da oração principal; III) Exatamente por isso, ela é uma oração objetiva direta; IV) Porque seu verbo estava contraído na forma do infinitivo e precisou até mesmo ser desenvolvido para ser analisado, chama-se, adicionalmente, oração reduzida de infinitivo; V) Seu nome completo, assim, é uma oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo, com verbos causativos (deixar, mandar e fazer) e sensitivos (ver, sentir, ouvir, olhar, perceber e notar); VI) "O" não é objeto direto do verbo da primeira oração, mas sujeito de fazer, o que se entende facilmente pela existência do ele na oração estendida.
7) E se acrescenta: quando, nessa estrutura, o verbo da oração subordinada é transitivo direto (como o é fazer), então se permite usar lhe em vez de o, e isso sem alteração alguma de significado. Exs.: I) "Vi-o sair" (correto); II) "Vi-lhe sair" (errado); III) "Vi-o fechar o cofre" (correto); IV) "Vi-lhe fechar o cofre" (correto); V) "Vi ele sair" (errado); VI) "Vi ele fechar o cofre" (errado).
8) Essa mesma construção e essas mesmas observações, feitas para o verbo ver, valem para os verbos fazer, mandar e deixar em construções similares. Exs.: I) "Faço-o sair" (correto); II) "Faço-lhe sair" (errado); III) "Faço-o fechar o cofre" (correto); IV) "Faço-lhe fechar o cofre" (correto); V) "Faço ele fechar o cofre" (errado); VI) "Mandei-o sair" (correto); VII) "Mandei-lhe sair" (errado); VIII) "Mandei-o fechar o cofre" (correto); IX) "Mandei-lhe fechar o cofre" (correto); X) "Mandei ele fechar o cofre" (errado); XI) "Deixei-o sair" (correto); XII) "Deixei-lhe sair" (errado); XIII) "Deixei-o fechar o cofre" (correto); XIV) "Deixei-lhe fechar o cofre" (correto); XV) "Deixei ele fechar o cofre" (errado).
Outros verbos que introduzem orações subordinadas substantivas objetivas diretas e indiretas:
Verbos de elocução, declaratórios ou dicendi - dizer, explicar, afirmar, informar, declarar, gritar, sugerir, ordenar, aconselhar, perguntar, questionar, prometer, confessar, pedir
Verbos de atividade mental: expressam julgamento, opinião ou crença - aceitar, achar, acreditar, admitir, calcular, compreender, considerar, certificar, crer, descobrir, duvidar, entender, fingir, ignorar, imaginar, julgar, pensar, prever, predizer, reconhecer, supor
Verbos avaliativos factivos: expressam avaliação, ponto de vista ou juízo do falante - adorar, gostar, aprovar, detestar, censurar, reprovar, lamentar, deplorar, censurar, tolerar
Verbos volitivos: vontade ou intenção - preferir, pretender, recear, temer, desejar, querer, esperar
Verbos de percepção - lembrar, assegurar-se, conscientizar-se, esquecer, insistir, convencer
O leitor George Washington Silva Plácido enviaa seguinte mensagem ao Gramatigalhas:
"Por que alguns verbos não admitem o uso do pronome oblíquo LHE, ainda que indiretos. Ex.: Não assistir a ele, no lugar de assisti-lo ou assisti-lhe. Dependo dele (óculos) para dirigir, no lugar de dependo-lhe para dirigir. Quais as razões para essa regra especial."
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O - Lhe - Dele?
1) Um leitor indaga por que alguns verbos não admitem o uso do pronome oblíquo lhe, ainda que transitivos indiretos.
2) Ora, quanto aos pronomes pessoais oblíquos átonos, uma primeira regra a ser fixada é que o, a, os e as funcionam como objetos diretos, enquanto os pronomes lhes e lhes servem para funcionar como objetos indiretos. Exs.: I) "O juiz sentenciou o caso"; II) "O juiz sentenciou-o"; III) "O documento pertence aos autos"; IV) "O documento pertence-lhe".
3) Nem todos os verbos transitivos indiretos, contudo, permitem que seus objetos indiretos sejam substituídos por lhe.
4) Assim, o verbo assistir, no significado de presenciar, ver, é transitivo indireto, pede a preposição a e não admite lhe como complemento. Exs.: a) "O estagiário assiste a vários debates e audiências"; b) "O estagiário assiste-lhes" (errado); c) "O estagiário assiste a eles" (correto).
No sentido de caber, pertencer, admite lhe como complemento. Exs.: a) "Votar é um direito que assiste ao povo"; b) "Votar é um direito que lhe assiste" (correto).
5) Para Laudelino Freire, "na língua portuguesa existem verbos cujos complementos indiretos são representados pela forma a ele em lugar de lhe. Isto ocorre, entre outros, com assistir (estar presente), aspirar (desejar), recorrer (pedir auxílio), que, recusando a forma lhe, têm os seus objetos indiretos expressos pela forma a ele".1 Exs.: a) "O estagiário aspirava ao cargo"; b) "O estagiário aspirava-lhe" (errado); c) "O estagiário aspirava a ele" (correto); d) "Naquele hora, recorreu a Deus"; e) "Naquela hora, recorreu-lhe" (errado); f) "Naquela hora, recorreu a ele" (correto).
6) Além da discriminação do ilustre gramático, outros verbos transitivos diretos repelem os pronomes lhe e lhes, de modo que são construídos com as formas preposicionadas: aludir, depender, referir-se. Exs.: a) "Aludi ao autor"; b) "Aludi-lhe" (errado); c) "Aludi a ele"; d) "Dependo da lei"; e) "Dependo-lhe" (errado); f) "Dependo dela" (correto); g) "Referi-me a Deus"; h) "Referi-me-lhe" (errado); i) "Referi-me a ele" (correto).
7) Os gramáticos não trazem as razões históricas para esse modo peculiar de construção de alguns verbos. Nem precisariam fazê-lo, assim como não precisam justificar o motivo de um determinado verbo ser hoje transitivo direto e outro, transitivo indireto. Às vezes, os verbos são sinônimos, mas apresentam diferentes transitividades. Em verdade, a função primordial da Gramática não é fixar regras impositivas de cima para baixo, mas sistematizar os fatos e as condutas que encontra na língua como manifestação. E as peculiaridades que tomam certas construções numa ou noutra direção nem sempre se submetem a regras.
dúvida do leitor
O leitor Darvin M. Fabrício envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:
"Prezados migalheiros, dirijo-me ao dr. José Maria da Costa, agigantado cultor do nosso idioma, para fazer uma consulta sobre sintaxe. Machado de Assis escreveu: 'Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado’. (Dom Casmurro, cap. I). Consabido, o verbo 'ver' é transitivo direto, e, por conseguinte, o oblíquo deve ser 'o'. Comete erro quem diz ou escreve 'Eu lhe vi'. Todos sabem que, por regra, somente os pronomes pessoais retos funcionam como sujeito. Pergunto: Há diferenças entre as frases 'Vi-o fazer um gesto' e 'Vi-lhe fazer um gesto?' Ambas são corretas? As duas frases oferecem diferença de sentido? Obrigado. Cordialmente,"
envie sua dúvida
Vi-o fechar o cofre ou Vi-lhe fechar o cofre?
1) Um leitor indaga qual a forma correta: I) "Vi-o fazer um gesto"; II) "Vi-lhe fazer um gesto". Acrescenta-se outra indagação: "Vi ele fazer um gesto"?
2) Voltando ao primeiro exemplo trazido pelo leitor – "Vi-o fazer um gesto" –percebe-se que o exemplo pode ser dito de outro modo: "Vi que ele fez um gesto". Nessa nova formulação, percebem-se os seguintes aspectos: I) Uma primeira oração é "Vi"; II) Uma segunda oração é "que ele fez um gesto".
3) Em termos sintáticos, podem-se extrair as seguintes conclusões para o novo exemplo: I) "Vi" é a oração principal; II) "Que ele fez um gesto" é uma oração subordinada que faz a função sintática de objeto direto de vi, ou seja, da oração principal; III) Exatamente por isso, ela é uma oração subordinada substantiva objetiva direta; IV) Como se verifica, o objeto direto de vi não é o, mas toda a segunda oração; V) Então se conclui que "o" é o sujeito de fez.
4) Ora, ante um tal quadro, vê-se que está sendo usado um pronome oblíquo como sujeito do verbo no infinitivo, e não um pronome do caso reto, o qual é até mesmo errado na hipótese: I) "Vi-o fazer um gesto" (correto); II) "Vi ele fazer um gesto" (errado).
5) A excepcionalidade de um pronome oblíquo ser sujeito constitui estrutura vinda do latim, idioma esse no qual o sujeito de um verbo no infinitivo vai para o acusativo (que é o caso oblíquo), e não para o nominativo (que é o caso reto): a) "Credo Petrum esse bonum" (correto); b) "Credo Petrus esse bonus" (errado).
6) No primeiro exemplo da consulta – "Vi-o fazer um gesto" – , podem-se fixar os seguintes aspectos: I) "Vi" é a oração principal; II) "-o fazer um gesto" é oração subordinada que faz a função sintática de objeto direto de vi, ou seja, da oração principal; III) Exatamente por isso, ela é uma oração objetiva direta; IV) Porque seu verbo estava contraído na forma do infinitivo e precisou até mesmo ser desenvolvido para ser analisado, chama-se, adicionalmente, oração reduzida de infinitivo; V) Seu nome completo, assim, é uma oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo, com verbos causativos (deixar, mandar e fazer) e sensitivos (ver, sentir, ouvir, olhar, perceber e notar); VI) "O" não é objeto direto do verbo da primeira oração, mas sujeito de fazer, o que se entende facilmente pela existência do ele na oração estendida.
7) E se acrescenta: quando, nessa estrutura, o verbo da oração subordinada é transitivo direto (como o é fazer), então se permite usar lhe em vez de o, e isso sem alteração alguma de significado. Exs.: I) "Vi-o sair" (correto); II) "Vi-lhe sair" (errado); III) "Vi-o fechar o cofre" (correto); IV) "Vi-lhe fechar o cofre" (correto); V) "Vi ele sair" (errado); VI) "Vi ele fechar o cofre" (errado).
8) Essa mesma construção e essas mesmas observações, feitas para o verbo ver, valem para os verbos fazer, mandar e deixar em construções similares. Exs.: I) "Faço-o sair" (correto); II) "Faço-lhe sair" (errado); III) "Faço-o fechar o cofre" (correto); IV) "Faço-lhe fechar o cofre" (correto); V) "Faço ele fechar o cofre" (errado); VI) "Mandei-o sair" (correto); VII) "Mandei-lhe sair" (errado); VIII) "Mandei-o fechar o cofre" (correto); IX) "Mandei-lhe fechar o cofre" (correto); X) "Mandei ele fechar o cofre" (errado); XI) "Deixei-o sair" (correto); XII) "Deixei-lhe sair" (errado); XIII) "Deixei-o fechar o cofre" (correto); XIV) "Deixei-lhe fechar o cofre" (correto); XV) "Deixei ele fechar o cofre" (errado).
Outros verbos que introduzem orações subordinadas substantivas objetivas diretas e indiretas:
Verbos de elocução, declaratórios ou dicendi - dizer, explicar, afirmar, informar, declarar, gritar, sugerir, ordenar, aconselhar, perguntar, questionar, prometer, confessar, pedir
Verbos de atividade mental: expressam julgamento, opinião ou crença - aceitar, achar, acreditar, admitir, calcular, compreender, considerar, certificar, crer, descobrir, duvidar, entender, fingir, ignorar, imaginar, julgar, pensar, prever, predizer, reconhecer, supor
Verbos avaliativos factivos: expressam avaliação, ponto de vista ou juízo do falante - adorar, gostar, aprovar, detestar, censurar, reprovar, lamentar, deplorar, censurar, tolerar
Verbos volitivos: vontade ou intenção - preferir, pretender, recear, temer, desejar, querer, esperar
Verbos de percepção - lembrar, assegurar-se, conscientizar-se, esquecer, insistir, convencer
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