dúvida do leitor
O leitor Jefferson Ribeiro enviou o seguinte texto:
"Gosto da Gramatigalhas, pois aprendo muito. Gostaria de conhecer a regência correta do verbo assistir, quando significa ver e quando significa dar assistência. 'Assisto ao filme' tem o sentido de ver o filme ou de dar assistência ao filme? Obrigado".
envie sua dúvida
1) É verbo que deve ser estudado sob o prisma da regência verbal, devendo-se atentar, já de início, à sábia ponderação do Padre José F. Stringari: “muito cuidado exige o emprego do verbo assistir, pois muda de regência em se lhe mudando o sentido”.1
2) Tem quatro significados, com peculiaridade de construção para cada qual deles.
3) No sentido de prestar ajuda, ajudar, amparar, auxiliar, socorrer, dar assistência, é transitivo direto. Exs.:
a) “A enfermeira assiste o doente”;
b) “A enfermeira assiste-o”.
4) No significado de presenciar, ver, observar, é transitivo indireto, pede a preposição a, e não admite lhe como complemento. Exs.:
a) “O estagiário assiste a vários debates e audiências”;
b) “O estagiário assiste a eles”.
5) Vale ao caso a oportuna lição de Laudelino Freire: “Na língua portuguesa existem verbos cujos complementos indiretos são representados pela forma a ele em lugar de lhe. Isto ocorre, entre outros, com assistir (estar presente), aspirar (desejar), recorrer (pedir auxílio), visar (ter em vista), anuir (dar aprovação, consentimento), aludir (fazer alusão, referência) e referir-se, que, recusando a forma pronominal átona lhe, têm os seus objetos indiretos expressos pela forma tônica a ele”.2
6) No sentido de pertencer, caber, competir direito ou razão, dizer respeito a, é transitivo indireto e admite lhe como complemento. Exs.:
a) “Este direito assiste ao vencedor”;
b) “Este direito lhe assiste”.
7) Na acepção literária, religiosa, jurídica e científica de morar, residir, habitar, é intransitivo e pede por complemento um adjunto adverbial de lugar. Ex.: “Os rapazes assistem em humilde pensão”.
8) De Júlio Nogueira é preciosa síntese acerca das regências mais comuns de tal verbo: “no sentido de estar presente, requer a preposição a: ‘assistirás à cerimônia’, ‘assistiremos ao baile’. No sentido de prestar assistência, requer objeto direto: ‘qual o médico que assiste este doente?’. Em textos literários, religiosos, jurídicos e científicos, no sentido de morar, residir, exige uma relação de lugar: ‘el-rei assiste em Lisboa’. No sentido de ter um direito, razão, atribuição etc., pede a preposição a: ‘não assiste esta faculdade aoscandidatos’(ou a forma pronominal correspondente: ‘não lhes assiste...’)”.3
9) Nos textos de lei, tem-se verificado a observância da distinção entre os significados de tal verbo, correspondendo a uma igual distinção entre as regências.
10) Assim, no significado de auxiliar, tem sido empregado como transitivo direto (admitindo ser usado na voz passiva). Exs.:
a) “O herdeiro do depositário é obrigado a assistir o depositante na reivindicação...”(CC/1916, art. 1.272);
b) “Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no art. 421”(CPC, art. 145);
c) “Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: ... V - Representá-los, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento” (CC/1916, art. 384, V);
d) “O herdeiro do depositário, que de boa-fé vendeu a coisa depositada, é obrigado a assistir o depositante na reivindicação, e a restituir a comprador o preço recebido” (CC/1916, art. 1.272);
e) “O adquirente ou o cessionário poderá, no entanto, intervir no processo, assistindo o alienante ou o cedente”(CPC, art. 42, § 2º);
f) “São atribuições do Departamento Penitenciário Nacional: ... III - assistir tecnicamente as unidades federativasna implementação dos princípios e regras estabelecidos nesta Lei”(Lei nº 7.210/84, art. 72, III).
11) Por outro lado, no sentido de ver, presenciar, tem-se observado a construção como transitivo indireto (preposição a). Exs.:
a) “A anulação do casamento contraído com infração do n. XI do art. 183 só pode ser requerida pelas pessoas que tinham o direito de consentir e não assistiram ao ato”(CC/1916, art. 212);
b) “É defeso a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte”(CPC, art. 344, parágrafo único);
c) “São requisitos essenciais do testamento público:... II - Que as testemunhas assistam a todo o ato”(CC/1916, art. 1.632, II);
d) “A certidão deve conter: ... III - os nomes das testemunhas, que assistiram ao ato, se a pessoa intimada se recusar a apor a nota de ciente”(CPC, art. 239, parágrafo único);
12) Na acepção de caber, pertencer, tem sido construído como transitivo indireto (preposição a), estrutura essa que admite o emprego de lhe em substituição ao nome. Exs.:
a) “Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; mas não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias”(CC/1916, art. 517);
b) “Ao proprietário prejudicado, em tal caso, assisteo direito de indenização pelos danos, que de futuro lhe advenham...”(CC/1916, art. 567, parágrafo único);
c) “Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença, declarará a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro”(CC/1916, art. 878);
d) “A toda empresa ou indivíduoque exerçam respectivamente atividade ou profissão... assisteo direito de ser admitido no Sindicato da respectiva categoria...” (CLT, art. 540).
13) Desse modo, vê-se que “Assisto ao filme”é regência correta e significa que eu vejo o filme na qualidade de espectador; já “Assisto o filme” também é regência correta, mas significa, em última análise, que auxilio em sua produção, em sua confecção.
dúvida do leitor
Um leitor envia a seguinte dúvida ao Gramatigalhas:
"Sr. Redator, na migalha "Armas", incomodou-me os ouvidos quando li que Alguém 'oficiou o general de Brigada' (Migalhas 2.662 - 1/7/11 – "Armas"). Não sou filólogo, nem professor de português, mas vejo com clareza o uso impróprio do artigo 'o', quando deveria ser usada a contração 'ao'. Assim: fulano 'oficiou ao general de Brigada'."
envie sua dúvida
1) Um leitor viu em algum lugar que "Alguém oficiou o General de Brigada". Como essa construção lhe incomodou os ouvidos, indaga se o correto não seria "Alguém oficiou ao General de Brigada".
2) Ora, como é correntio e sem divergências entre os estudiosos da matéria, para a autoridade ou pessoa a quem se dirige um ofício, Francisco Fernandes, invocando exemplo de Euclides da Cunha, manda construir o complemento com a preposição a: "Oficiou de novo ao prelado".1
3) Celso Pedro Luft, também em mesma esteira, para o sentido de comunicar por ofício, preconiza a construção com a preposição a, e não para, nem como transitivo direto, porque só padre oficia sem preposição: "O secretário oficiou ao governador".2
4) Respondendo, então, de modo prático, ao leitor, pode-se dizer que lhe assiste integralmente razão em seu incômodo aos ouvidos, bastando conferir o acerto ou erronia dos exemplos por ele trazidos para análise: a) "Alguém oficiou o/para o General de Brigada" (errado); b) "Alguém oficiou ao General de Brigada" (correto).
O leitor Jefferson Ribeiro enviou o seguinte texto:
"Gosto da Gramatigalhas, pois aprendo muito. Gostaria de conhecer a regência correta do verbo assistir, quando significa ver e quando significa dar assistência. 'Assisto ao filme' tem o sentido de ver o filme ou de dar assistência ao filme? Obrigado".
envie sua dúvida
1) É verbo que deve ser estudado sob o prisma da regência verbal, devendo-se atentar, já de início, à sábia ponderação do Padre José F. Stringari: “muito cuidado exige o emprego do verbo assistir, pois muda de regência em se lhe mudando o sentido”.1
2) Tem quatro significados, com peculiaridade de construção para cada qual deles.
3) No sentido de prestar ajuda, ajudar, amparar, auxiliar, socorrer, dar assistência, é transitivo direto. Exs.:
a) “A enfermeira assiste o doente”;
b) “A enfermeira assiste-o”.
4) No significado de presenciar, ver, observar, é transitivo indireto, pede a preposição a, e não admite lhe como complemento. Exs.:
a) “O estagiário assiste a vários debates e audiências”;
b) “O estagiário assiste a eles”.
5) Vale ao caso a oportuna lição de Laudelino Freire: “Na língua portuguesa existem verbos cujos complementos indiretos são representados pela forma a ele em lugar de lhe. Isto ocorre, entre outros, com assistir (estar presente), aspirar (desejar), recorrer (pedir auxílio), visar (ter em vista), anuir (dar aprovação, consentimento), aludir (fazer alusão, referência) e referir-se, que, recusando a forma pronominal átona lhe, têm os seus objetos indiretos expressos pela forma tônica a ele”.2
6) No sentido de pertencer, caber, competir direito ou razão, dizer respeito a, é transitivo indireto e admite lhe como complemento. Exs.:
a) “Este direito assiste ao vencedor”;
b) “Este direito lhe assiste”.
7) Na acepção literária, religiosa, jurídica e científica de morar, residir, habitar, é intransitivo e pede por complemento um adjunto adverbial de lugar. Ex.: “Os rapazes assistem em humilde pensão”.
8) De Júlio Nogueira é preciosa síntese acerca das regências mais comuns de tal verbo: “no sentido de estar presente, requer a preposição a: ‘assistirás à cerimônia’, ‘assistiremos ao baile’. No sentido de prestar assistência, requer objeto direto: ‘qual o médico que assiste este doente?’. Em textos literários, religiosos, jurídicos e científicos, no sentido de morar, residir, exige uma relação de lugar: ‘el-rei assiste em Lisboa’. No sentido de ter um direito, razão, atribuição etc., pede a preposição a: ‘não assiste esta faculdade aoscandidatos’(ou a forma pronominal correspondente: ‘não lhes assiste...’)”.3
9) Nos textos de lei, tem-se verificado a observância da distinção entre os significados de tal verbo, correspondendo a uma igual distinção entre as regências.
10) Assim, no significado de auxiliar, tem sido empregado como transitivo direto (admitindo ser usado na voz passiva). Exs.:
a) “O herdeiro do depositário é obrigado a assistir o depositante na reivindicação...”(CC/1916, art. 1.272);
b) “Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no art. 421”(CPC, art. 145);
c) “Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: ... V - Representá-los, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento” (CC/1916, art. 384, V);
d) “O herdeiro do depositário, que de boa-fé vendeu a coisa depositada, é obrigado a assistir o depositante na reivindicação, e a restituir a comprador o preço recebido” (CC/1916, art. 1.272);
e) “O adquirente ou o cessionário poderá, no entanto, intervir no processo, assistindo o alienante ou o cedente”(CPC, art. 42, § 2º);
f) “São atribuições do Departamento Penitenciário Nacional: ... III - assistir tecnicamente as unidades federativasna implementação dos princípios e regras estabelecidos nesta Lei”(Lei nº 7.210/84, art. 72, III).
11) Por outro lado, no sentido de ver, presenciar, tem-se observado a construção como transitivo indireto (preposição a). Exs.:
a) “A anulação do casamento contraído com infração do n. XI do art. 183 só pode ser requerida pelas pessoas que tinham o direito de consentir e não assistiram ao ato”(CC/1916, art. 212);
b) “É defeso a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte”(CPC, art. 344, parágrafo único);
c) “São requisitos essenciais do testamento público:... II - Que as testemunhas assistam a todo o ato”(CC/1916, art. 1.632, II);
d) “A certidão deve conter: ... III - os nomes das testemunhas, que assistiram ao ato, se a pessoa intimada se recusar a apor a nota de ciente”(CPC, art. 239, parágrafo único);
12) Na acepção de caber, pertencer, tem sido construído como transitivo indireto (preposição a), estrutura essa que admite o emprego de lhe em substituição ao nome. Exs.:
a) “Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; mas não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias”(CC/1916, art. 517);
b) “Ao proprietário prejudicado, em tal caso, assisteo direito de indenização pelos danos, que de futuro lhe advenham...”(CC/1916, art. 567, parágrafo único);
c) “Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença, declarará a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro”(CC/1916, art. 878);
d) “A toda empresa ou indivíduoque exerçam respectivamente atividade ou profissão... assisteo direito de ser admitido no Sindicato da respectiva categoria...” (CLT, art. 540).
13) Desse modo, vê-se que “Assisto ao filme”é regência correta e significa que eu vejo o filme na qualidade de espectador; já “Assisto o filme” também é regência correta, mas significa, em última análise, que auxilio em sua produção, em sua confecção.
dúvida do leitor
Um leitor envia a seguinte dúvida ao Gramatigalhas:
"Sr. Redator, na migalha "Armas", incomodou-me os ouvidos quando li que Alguém 'oficiou o general de Brigada' (Migalhas 2.662 - 1/7/11 – "Armas"). Não sou filólogo, nem professor de português, mas vejo com clareza o uso impróprio do artigo 'o', quando deveria ser usada a contração 'ao'. Assim: fulano 'oficiou ao general de Brigada'."
envie sua dúvida
1) Um leitor viu em algum lugar que "Alguém oficiou o General de Brigada". Como essa construção lhe incomodou os ouvidos, indaga se o correto não seria "Alguém oficiou ao General de Brigada".
2) Ora, como é correntio e sem divergências entre os estudiosos da matéria, para a autoridade ou pessoa a quem se dirige um ofício, Francisco Fernandes, invocando exemplo de Euclides da Cunha, manda construir o complemento com a preposição a: "Oficiou de novo ao prelado".1
3) Celso Pedro Luft, também em mesma esteira, para o sentido de comunicar por ofício, preconiza a construção com a preposição a, e não para, nem como transitivo direto, porque só padre oficia sem preposição: "O secretário oficiou ao governador".2
4) Respondendo, então, de modo prático, ao leitor, pode-se dizer que lhe assiste integralmente razão em seu incômodo aos ouvidos, bastando conferir o acerto ou erronia dos exemplos por ele trazidos para análise: a) "Alguém oficiou o/para o General de Brigada" (errado); b) "Alguém oficiou ao General de Brigada" (correto).
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