dúvida do leitor
O leitor Carter Gonçalves Batista envia-nos a seguinte mensagem:
"Prezada equipe Gramatigalhas, Indago se a expressão 'restou comprovado', e outras tantas que utilizam 'restou' para indicar a ocorrência de um fato pretérito, da forma amiúde utilizada em toda sorte de textos jurídicos e peças processuais, está correta do ponto de vista da mais refinada utilização da norma culta da língua portuguesa. Ainda que antecipadamente, agradeço."
envie sua dúvida
Restar
1) Num primeiro aspecto, quanto à concordância verbal, é comum que o sujeito plural venha posposto a esse verbo, caso em que é preciso atenção, para não haver equívocos quanto à flexão deste último. Exs.: a) "Restava ainda alguns processos sem sentença" (errado); b) "Restavam, ainda alguns processos sem sentença" (correto); c) "Resta-lhe poucos familiares" (errado); d) "Restam-lhe poucos familiares" (correto).
2) Atento aos problemas daí advenientes, leciona Napoleão Mendes de Almeida que "a concordância se impõe com verbos que significam carência, falta, abastança, suficiência: Restavam apenas quinze mil homens".1
3) No que tange à regência verbal, não se encontra abono nos autores clássicos e nos gramáticos seu uso como verbo de ligação seguido de predicativo (com o sentido de ficar), construção frasal essa que se vem vulgarizando na linguagem forense, apesar de errônea. Ex.: "A acusação contra o réu não restou provada nos autos" (errado).
4) Nesse sentido, vale lembrar que, em suas indispensáveis obras sobre regência verbal, nem Francisco Fernandes, nem Celso Pedro Luft fazem menção à possibilidade da referida sintaxe.
5) Corroborando esse posicionamento, anota Geraldo Amaral Arruda que "nenhum dicionário da língua portuguesa registra (restar) como verbo de ligação, acompanhado de predicativo".2
6) Lembrando que basta uma consulta aos melhores autores para se comprovar que tal sintaxe "não é Português", leciona Edmundo Dantès Nascimento que o verbo restar é empregado erradamente na linguagem forense, isto é, com predicativo do sujeito, em frases como "O decreto restou revogado".
7) Acrescenta tal autor que "a correção se faz com emprego de ficar, remanescer, substituir, conforme o caso".3
8) Pode-se acrescentar a esse ensinamento que mesmo o verbo ser pode ser empregado como auxiliar na voz passiva, evidenciando a ideia da ação verbal o sentido que se intenta obter com o predicativo: "O decreto foi revogado".
9) Reitere-se que, para evitar tal solecismo de sintaxe, basta, na maioria dos casos, adotar a construção passiva, quer sintética, quer analítica, sem o emprego do verbo restar, ou então usar o verbo próprio de ligação com o adequado predicativo do sujeito. Exs.: a) "Não se provou, nos autos, a acusação contra o réu" (correto - voz passiva sintética); b) "Não foi provada, nos autos, a acusação contra o réu" (correto - voz passiva analítica); c) "A acusação contra o réu não ficou provada nos autos" (correto - verbo de ligação mais predicativo do sujeito).
10) Apenas para ilustrar, é de se ver que Adalberto J. Kaspary, dedicado estudioso do emprego dos verbos nos textos de lei, - muito embora realce que uma construção como a discutida ("O decreto restou revogado") "tem trânsito cada vez mais livre na linguagem forense" - não conseguiu localizar um só exemplo abonador de tal emprego, assim nos diplomas legais do Brasil como nos de Portugal.4
dúvida do leitor
A leitora Viviane Viegas, do escritório Eustáquio Nereu Lauschner Advogados Associados, envia à secção Gramatigalhas a seguinte mensagem:
"Em muitas decisões, percebo que os Juízes utilizam a expressão: 'condeno a parte no pagamento das custas judiciais...'. O correto é 'condeno no pagamento' ou 'condeno ao pagamento'?"
envie sua dúvida
1) É verbo muito usado nos meios jurídicos, como se dá no caso da parte dispositiva das sentenças criminais que estipula a pena e das cíveis que fixa os ônus da sucumbência processual.
2) Há problemas de sintaxe a serem resolvidos a seu respeito.
3) No que tange à regência verbal, conforme lição de Francisco Fernandes em indispensável obra, o objeto indireto desse verbo pode ser construído com as preposições aou em,1 lição essa repetida, com significativos exemplos, por Cândido Jucá Filho.2 Exs.: a) "condenarem... os hereges ao último suplício" (Alexandre Herculano); b) "Condenado em quinze anos de degredo para Cabo Verde".
4) Nesse exato sentido também é a lição de Vitório Bergo, o qual, de modo expresso, dá como corretas ambas as expressões seguintes: condenar às custas e condenar nas custas.3
5) No que concerne aos textos de lei, é de se dizer, por primeiro, que o Código de Processo Civil emprega, indiferentemente, ora a, ora em, como se pode verificar nos exemplos seguintes: a) "A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou..." (art. 20, caput); b) "O juiz, ao decidir qualquer incidente ou recurso, condenará nas despesas o vencido" (art. 20, § 1º); c) "... o tribunal... condenará o juiz nas custas..." (art. 314); d) "A apelação será recebida... só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que... condenar à prestação de alimentos" (art. 520, II); e) "... o juiz... condenará o devedor a constituir um capital..." (art. 602, caput); f) "... o juiz mandará avaliar o custo das despesas necessárias e condenará o contratante a pagá-lo" (art. 636, parágrafo único); g) "É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado" (art. 460).
6) Em outros diplomas legais também se encontra esse verbo com as mesmas construções: condenar alguém em algo, condenar (alguém) a algo, além de condenar alguém por algo. Exs.: a) "A sentença ou acórdão, que julgar a ação, qualquer incidente ou recurso, condenará nas custas o vencido" (CPP, art. 804); b) "A sentença que condenar o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível é título bastante para o registro de hipoteca..." (CC português, art. 710º, 1); c) "O Estado indenizará o condenado por erro judiciário..." (CF/1988, art. 5º, LXXXV); d) "Não podem ser eleitos para cargos administrativos ou de representação econômica ou profissional, nem permanecer no exercício desses cargos: ... IV – os que tiverem sido condenados por crime doloso enquanto persistirem os efeitos da pena" (CLT, art. 530, IV).
7) Atente-se, por fim, ao fato de que condenar e condenação diferem no que concerne às preposições que podem introduzir seus complementos.
dúvida do leitor
O Dr. Rodrigo Baldocchi Pizzo envia-nos a seguinte mensagem:
"Prezado Dr. José Maria da Costa, gostaria de saber do nobre Professor se é correto o uso da expressão: 'assiste razão o requerente'. Não seria mais correta a afirmação: 'assiste razão ao requerente (...quanto ao pedido/quanto ao requerimento, etc.)'. Verificamos corriqueiramente o uso da primeira hipótese no meio forense, e essa forma de redação me causa dúvidas acerca de sua concordância verbal e propriedade vernacular. Saudações de um Migalheiro!"
envie sua dúvida
1) Quando se diz "assistir razão", o verbo assistir tem o significado de pertencer, caber.
2) Em oração com tal verbo na mencionada acepção, razão será o sujeito, e o referido verbo será transitivo indireto, de modo que exigirá um complemento preposicionado, um objeto indireto. Exs.:
a) "A razão assiste ao réu";
b) "O direito assiste ao vencedor".
3) Em sentido prático, basta ver orações em que se empreguem os sinônimos referidos:
a) "A razão pertence ao réu";
b) "O direito cabe ao vencedor".
4) É importante acrescentar que, em tal sentido, diferentemente de outros de seus significados, assistir admite lhe como complemento. Exs.:
a) "A razão assiste-lhe";
b) "O direito assiste-lhe".
5) Ante tais ponderações conceituais, será equivocado o emprego de tal verbo, no mencionado sentido, como transitivo direto: "Assiste razão o requerente". Corrija-se: "Assiste razão ao requerente".
6) Acrescente-se, por fim, que a questão aqui estudada não concerne à harmonização do verbo no singular ou no plural, adaptando-se ao sujeito; em outras palavras, não se trata de concordância verbal. O assunto diz respeito, isto sim, ao tipo de complemento que o verbo exige:
a) sem preposição?;
b) com preposição?;
vale dizer, a questão concerne à regência verbal.
O leitor Carter Gonçalves Batista envia-nos a seguinte mensagem:
"Prezada equipe Gramatigalhas, Indago se a expressão 'restou comprovado', e outras tantas que utilizam 'restou' para indicar a ocorrência de um fato pretérito, da forma amiúde utilizada em toda sorte de textos jurídicos e peças processuais, está correta do ponto de vista da mais refinada utilização da norma culta da língua portuguesa. Ainda que antecipadamente, agradeço."
envie sua dúvida
Restar
1) Num primeiro aspecto, quanto à concordância verbal, é comum que o sujeito plural venha posposto a esse verbo, caso em que é preciso atenção, para não haver equívocos quanto à flexão deste último. Exs.: a) "Restava ainda alguns processos sem sentença" (errado); b) "Restavam, ainda alguns processos sem sentença" (correto); c) "Resta-lhe poucos familiares" (errado); d) "Restam-lhe poucos familiares" (correto).
2) Atento aos problemas daí advenientes, leciona Napoleão Mendes de Almeida que "a concordância se impõe com verbos que significam carência, falta, abastança, suficiência: Restavam apenas quinze mil homens".1
3) No que tange à regência verbal, não se encontra abono nos autores clássicos e nos gramáticos seu uso como verbo de ligação seguido de predicativo (com o sentido de ficar), construção frasal essa que se vem vulgarizando na linguagem forense, apesar de errônea. Ex.: "A acusação contra o réu não restou provada nos autos" (errado).
4) Nesse sentido, vale lembrar que, em suas indispensáveis obras sobre regência verbal, nem Francisco Fernandes, nem Celso Pedro Luft fazem menção à possibilidade da referida sintaxe.
5) Corroborando esse posicionamento, anota Geraldo Amaral Arruda que "nenhum dicionário da língua portuguesa registra (restar) como verbo de ligação, acompanhado de predicativo".2
6) Lembrando que basta uma consulta aos melhores autores para se comprovar que tal sintaxe "não é Português", leciona Edmundo Dantès Nascimento que o verbo restar é empregado erradamente na linguagem forense, isto é, com predicativo do sujeito, em frases como "O decreto restou revogado".
7) Acrescenta tal autor que "a correção se faz com emprego de ficar, remanescer, substituir, conforme o caso".3
8) Pode-se acrescentar a esse ensinamento que mesmo o verbo ser pode ser empregado como auxiliar na voz passiva, evidenciando a ideia da ação verbal o sentido que se intenta obter com o predicativo: "O decreto foi revogado".
9) Reitere-se que, para evitar tal solecismo de sintaxe, basta, na maioria dos casos, adotar a construção passiva, quer sintética, quer analítica, sem o emprego do verbo restar, ou então usar o verbo próprio de ligação com o adequado predicativo do sujeito. Exs.: a) "Não se provou, nos autos, a acusação contra o réu" (correto - voz passiva sintética); b) "Não foi provada, nos autos, a acusação contra o réu" (correto - voz passiva analítica); c) "A acusação contra o réu não ficou provada nos autos" (correto - verbo de ligação mais predicativo do sujeito).
10) Apenas para ilustrar, é de se ver que Adalberto J. Kaspary, dedicado estudioso do emprego dos verbos nos textos de lei, - muito embora realce que uma construção como a discutida ("O decreto restou revogado") "tem trânsito cada vez mais livre na linguagem forense" - não conseguiu localizar um só exemplo abonador de tal emprego, assim nos diplomas legais do Brasil como nos de Portugal.4
dúvida do leitor
A leitora Viviane Viegas, do escritório Eustáquio Nereu Lauschner Advogados Associados, envia à secção Gramatigalhas a seguinte mensagem:
"Em muitas decisões, percebo que os Juízes utilizam a expressão: 'condeno a parte no pagamento das custas judiciais...'. O correto é 'condeno no pagamento' ou 'condeno ao pagamento'?"
envie sua dúvida
1) É verbo muito usado nos meios jurídicos, como se dá no caso da parte dispositiva das sentenças criminais que estipula a pena e das cíveis que fixa os ônus da sucumbência processual.
2) Há problemas de sintaxe a serem resolvidos a seu respeito.
3) No que tange à regência verbal, conforme lição de Francisco Fernandes em indispensável obra, o objeto indireto desse verbo pode ser construído com as preposições aou em,1 lição essa repetida, com significativos exemplos, por Cândido Jucá Filho.2 Exs.: a) "condenarem... os hereges ao último suplício" (Alexandre Herculano); b) "Condenado em quinze anos de degredo para Cabo Verde".
4) Nesse exato sentido também é a lição de Vitório Bergo, o qual, de modo expresso, dá como corretas ambas as expressões seguintes: condenar às custas e condenar nas custas.3
5) No que concerne aos textos de lei, é de se dizer, por primeiro, que o Código de Processo Civil emprega, indiferentemente, ora a, ora em, como se pode verificar nos exemplos seguintes: a) "A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou..." (art. 20, caput); b) "O juiz, ao decidir qualquer incidente ou recurso, condenará nas despesas o vencido" (art. 20, § 1º); c) "... o tribunal... condenará o juiz nas custas..." (art. 314); d) "A apelação será recebida... só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que... condenar à prestação de alimentos" (art. 520, II); e) "... o juiz... condenará o devedor a constituir um capital..." (art. 602, caput); f) "... o juiz mandará avaliar o custo das despesas necessárias e condenará o contratante a pagá-lo" (art. 636, parágrafo único); g) "É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado" (art. 460).
6) Em outros diplomas legais também se encontra esse verbo com as mesmas construções: condenar alguém em algo, condenar (alguém) a algo, além de condenar alguém por algo. Exs.: a) "A sentença ou acórdão, que julgar a ação, qualquer incidente ou recurso, condenará nas custas o vencido" (CPP, art. 804); b) "A sentença que condenar o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível é título bastante para o registro de hipoteca..." (CC português, art. 710º, 1); c) "O Estado indenizará o condenado por erro judiciário..." (CF/1988, art. 5º, LXXXV); d) "Não podem ser eleitos para cargos administrativos ou de representação econômica ou profissional, nem permanecer no exercício desses cargos: ... IV – os que tiverem sido condenados por crime doloso enquanto persistirem os efeitos da pena" (CLT, art. 530, IV).
7) Atente-se, por fim, ao fato de que condenar e condenação diferem no que concerne às preposições que podem introduzir seus complementos.
dúvida do leitor
O Dr. Rodrigo Baldocchi Pizzo envia-nos a seguinte mensagem:
"Prezado Dr. José Maria da Costa, gostaria de saber do nobre Professor se é correto o uso da expressão: 'assiste razão o requerente'. Não seria mais correta a afirmação: 'assiste razão ao requerente (...quanto ao pedido/quanto ao requerimento, etc.)'. Verificamos corriqueiramente o uso da primeira hipótese no meio forense, e essa forma de redação me causa dúvidas acerca de sua concordância verbal e propriedade vernacular. Saudações de um Migalheiro!"
envie sua dúvida
1) Quando se diz "assistir razão", o verbo assistir tem o significado de pertencer, caber.
2) Em oração com tal verbo na mencionada acepção, razão será o sujeito, e o referido verbo será transitivo indireto, de modo que exigirá um complemento preposicionado, um objeto indireto. Exs.:
a) "A razão assiste ao réu";
b) "O direito assiste ao vencedor".
3) Em sentido prático, basta ver orações em que se empreguem os sinônimos referidos:
a) "A razão pertence ao réu";
b) "O direito cabe ao vencedor".
4) É importante acrescentar que, em tal sentido, diferentemente de outros de seus significados, assistir admite lhe como complemento. Exs.:
a) "A razão assiste-lhe";
b) "O direito assiste-lhe".
5) Ante tais ponderações conceituais, será equivocado o emprego de tal verbo, no mencionado sentido, como transitivo direto: "Assiste razão o requerente". Corrija-se: "Assiste razão ao requerente".
6) Acrescente-se, por fim, que a questão aqui estudada não concerne à harmonização do verbo no singular ou no plural, adaptando-se ao sujeito; em outras palavras, não se trata de concordância verbal. O assunto diz respeito, isto sim, ao tipo de complemento que o verbo exige:
a) sem preposição?;
b) com preposição?;
vale dizer, a questão concerne à regência verbal.
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